Comecei a última segunda-feira indo a uma masterclass com ninguém mais, ninguém menos que Francis Ford Coppola. O cineasta que ajudou a moldar meu gosto cinéfilo (e provavelmente o de tantos de vocês que me leem agora) veio a São Paulo para promover seu novo filme, Megalópolis, e receber uma homenagem da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Foi emocionante ouvir Coppola falar por mais de uma hora sobre seus feitos no cinema, alguns causos engraçados (contei mais neste vídeo aqui) o que Hollywood e o jornalismo têm em comum atualmente (spoiler: na visão dele, ambos vão sobreviver sob novos termos). O cineasta trouxe reflexões pertinentes sobre o tempo, a indústria e afirmou que ela o deixou de lado. Mas ele não parece guardar rancor. Na verdade, ganhou mais fôlego e foco para realizar algo que poucos conseguiriam: investiu milhões de dólares na produção de algo que podemos chamar de missão de vida, escreveu um novo roteiro e sentou mais uma vez na cadeira de diretor para testemunhar seu sonho se tornar realidade.
Megalópolis é o resultado daquilo que podemos chamar de ambição. Não acho que este é o filme definitivo de Coppola, mas sem dúvidas é uma obra que resume bem como ele se envolve e mergulha nas próprias nuances. E, se existe uma constante na carreira de Coppola, ela se chama originalidade. Isso não há como negar. Se você pegar Do Fundo do Coração e O Poderoso Chefão II, vai ver que o cineasta tem uma identidade própria. Scorsese, De Palma, Friedkin e outros nomes que surgiram na vanguarda da Nova Hollywood também dividem esse grande mérito.
A estética de seus filmes pode mudar, mas a essência de como Coppola e seus colegas contam uma história é sempre a mesma. Para mim, isso sintetiza o que é ser um cineasta de verdade.
Dito isso, vou já tirar o elefante da sala: Megalópolis não é dos meus filmes favoritos da carreira do nosso querido ítalo-americano. Assim como seu nome indica, a obra é realmente uma miscelânea de temáticas — algumas atuais, outras já bem conhecidas na linguagem cinematográfica. São várias as metáforas e as alegorias que permeiam diálogos e cenas (boa parte delas com a presença do CGI), e não é exagero dizer que muitos poderão concluir que Coppola mergulhou numa espécie de megalomania.
É evidente que o cineasta vê em seu protagonista, Cesar Catilina (Adam Driver), um reflexo de si mesmo. O personagem, arquiteto, é considerado um gênio e tem a capacidade de controlar o tempo. Do outro lado, temos Francis, também um arquiteto da arte, cujo poder é controlar o tempo dentro de suas histórias, mas não fora delas. Tal habilidade de Cesar é exposta sem muitas explicações, assim como a cidade que dá título ao longa. Megalópolis é uma utopia, uma solução para uma sociedade falida que tenta juntar seus pedaços. Mas, como um dos diálogos do próprio filme aponta, é preciso tomar cuidado com a utopia: ela guarda o perigo de se tornar uma distopia.
Explicações, aliás, é o que Coppola não está interessado em ceder ao público. E essa escolha é, sim, de uma rebeldia admirável. Mais do que o destino final, ele quer que todos (inclusive os personagens que vivem dentro da sua própria ideia) entendam que Megalópolis é mais do que uma cidade — é um conceito que transcende tudo. Ele quer que admiremos sua narrativa shakespeariana, por vezes até um tanto simplista, com personagens caricatos e soluções questionáveis. Tudo parece uma grande provocação de um senhor de 85 anos. E é. Não faltam cores quentes, efeitos especiais e toda a pompa que uma grande fantasia com tons de realismo merece ter.
Aqui, ele faz seu grande show: tudo é fruto de sua imaginação, de sua ousadia e, claro, de seu dinheiro. Coppola controla todos os aspectos e claramente parece se divertir na posição. Mas, ao querer abraçar o mundo, ele dá de cara com uma camada de superficialidade difícil de ser ignorada. É justamente na sua ideia de grandiosidade que Megalópolis encontra artifícios ocos. A Nova Roma que vemos na tela está completamente banhada pelo excesso, mas por dentro carece de brilho. As tramas de vingança, amor e poder — com exceção da presença magnética de Audrey Plaza, todas são protagonizadas por homens, diga-se de passagem — se misturam de modo que o grande X da questão (o oásis em meio ao caos) fique em segundo plano.
Como tudo que envolve arte, é sempre uma questão de perspectiva. A criação é subjetiva e a crítica também. Muitos já consideram Megalópolis uma obra-prima, e outros, assim como eu, terão problemas com algumas escolhas criativas e a ausência de papéis femininos mais marcantes. Para além do que eu já escrevi aí em cima, uma escolha que não passa despercebida por mim é a discussão que o filme coloca sobre a relação sexual entre o protagonista e uma garota bem mais jovem que ele. É algo polêmico e intrigante.
Seria uma escolha inconsciente do diretor? Quando vemos as histórias que aconteceram no set de Megalopolis, com denúncias envolvendo o próprio Coppola, é difícil não fazer um paralelo. E, se o cineasta tanto se dispôs a criar o elo entre fantasia e realidade, é inevitável pensarmos da mesma forma também.
Se Megalópolis vai resistir ao teste do tempo, tema que tem ocupado tanto a mente do diretor? É esperar para ver.